Os defensores  da criminalização da homofobia têm ao seu lado um aliado de peso.  Relator do processo que concedeu o direito de união estável para  homossexuais, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres  Britto acredita que o país não pode se omitir nessa questão. “No mundo  todo ocidental, há uma tendência de repúdio à homofobia. E o Brasil não  poderia ficar de fora desse progresso civilizatório”, disse ontem ao  Correio, após participar de um debate sobre o tema promovido pela  Universidade de Brasília (leia entrevista abaixo). O auditório da  Faculdade de Estudos Sociais Aplicados ficou lotado.
O pensamento  de Britto vai de encontro ao que propõe o Projeto de Lei nº 122, de  2006, que altera a Lei nº 7.716, de 1989, conhecida como Lei do Racismo,  além do parágrafo 3º do art. 140 do Código Penal para que a  discriminação em função de orientação sexual e identidade de gênero seja  considerada crime (veja Para saber mais). A medida teve a redação  alterada algumas vezes para minimizar atritos com parlamentares  contrários a ela. A atual relatora do projeto é a senadora Marta Suplicy  (PT-SP). Se for aprovada, a norma tornará passível de detenção e multa  quem cometer práticas discriminatórias contra gays, lésbicas, travestis,  transgêneros e transexuais.
O ministro esteve ontem no  derradeiro debate da Semana de Direito e Gênero, organizada pela  Faculdade de Direito da UnB. Dividiram a mesa com ele o deputado federal  Jean Wyllys (Psol-RJ), a doutora em psicologia Tatiana Lionço e a  mestranda em antropologia Mariana Cintra. Ayres Britto era a figura mais  aguardada do dia e a fala dele foi aplaudida em diversas ocasiões. Ele  voltou a endossar a decisão do STF quanto à união de pessoas do mesmo  sexo. “Quem é que está perdendo? Quem é que está tendo os seus direito  subtraídos? Os heterossexuais não vão continuar do mesmo jeito? Por que  proibir os direitos dos homoafetivos?”, reiterou o magistrado.
Para  ele, a decisão é a prova de que os assuntos de afeto passaram a  integrar a pauta da Justiça brasileira. “Finalmente, o Poder Judiciário  começa a entender que o afeto também é uma categoria jurídica. A  Constituição fala do pensamento, do sentimento e da criação artística,  de religiosidade e agora estamos compreendendo que, sem afetividade, não  pode haver efetividade da Constituição.”
Perdão
O  uso de argumentos científicos para justificar discursos homofóbicos e o  mau uso da palavra, principalmente por parte de fundamentalistas  religiosos, foram os temas escolhidos pela psicóloga Tatiana Lionço. “O  discurso da degeneração e da anormalidade, do ponto de vista científico,  não se sustenta mais. Ele só se sustenta do ponto de vista religioso. A  eles eu digo: ‘Perdoai, eles não sabem o que dizem’”, defendeu. A  antropóloga Mariana Cintra lembrou que, apesar de os homens serem alvos  mais frequentes, mulheres, transgêneros e travestis também são alvos  constantes de agressão.
Pressão por legislação
O  deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) reconhece as conquistas sobre a  união entre pessoas do mesmo sexo, mas nem por isso deixará de militar  para que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) seja  convertido em lei. Ele sabe que a tarefa será árdua. “A decisão é um  instrumento de combate à discriminação jurídica. Mas ainda não há uma  lei, é uma jurisprudência. Para que isso seja acessado automaticamente, o  Congresso (Nacional) tem que legislar e, aí mora o problema, porque o  Congresso é formado por uma maioria conservadora. A única maneira de  mudar a face da Casa é ampliando a consciência política sobre o  assunto”, avaliou ontem em seminário realizado na UnB.
Parte da  consciência a que se refere é a educação de respeito às diferenças em  uma sociedade pluralista. Daí, a necessidade de desfazer conceitos  distorcidos e lutar contra a discriminação. “O homossexual, para se  assumir, precisa reinventar a si mesmo para driblar a homofobia cultural  e conceitual introjetada nele mesmo. Precisamos de uma transformação  nas regras para criar um mundo onde há respeito a todos.”
Nesse  contexto, está inserida a UnB. Atualmente, a comunidade acadêmica está  em plena discussão sobre a criação de um programa de combate à homofobia  dentro da instituição. Uma das propostas levantadas nas plenárias é que  a UnB redija o próprio material educativo contra a discriminação a  lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.
São  muitas as denúncias de perseguição e agressão a estudantes em função da  orientação sexual. Para o deputado federal Jean Wyllys, a iniciativa da  cartilha é salutar. “Acho maravilhoso. É lamentável que um aluno entre  na universidade e não desconstrua os seus preconceitos. Esse aluno é uma  cavalgadura que nem sequer merece estar na universidade. Ninguém é  obrigado a amar o homossexual, mas a discriminação e a perseguição são  inadmissíveis”, disse.
 
Atraso de 10 anos
O  Projeto de Lei (PL) nº 122 tem origem no PL nº 5003, de 2001,   apresentado pela então deputada petista Iara Bernardi. O texto   estipulava punições para quem cometesse discriminação em função de   orientação sexual. Depois deles, outros projetos semelhantes surgiram e   foram unificados para facilitar a tramitação. Em 2006, com nova  redação,  a norma foi aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhado  ao Senado  Federal. Ele prevê alteração na Lei do Racismo para que a  discriminação  por opção sexual seja considerada crime, assim como  acontece com raça e  cor. Desde então, a proposta passou pelas comissões  de Constituição,  Justiça e Cidadania (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e  atualmente está na  Comissão de Direitos Humanos da Casa. Sob forte  pressão da bancada  evangélica e católica, o texto sofreu alterações.  Entre 2008 e 2010, o  projeto não teve o andamento esperado na Casa, mas  em 2011 foi resgatado  pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). Ela proporá  alteração no texto  para que não seja considerado crime “a manifestação  pacífica de  pensamento fundada na liberdade de consciência e de  crença”. 
 
Três perguntas para - Carlos Ayres Britto
Como o senhor avalia a decisão do STF sobre a união estável homoafetiva, que teve imensa repercussão?
Acho que o Supremo interpretou muito bem a Constituição. E o fez à luz dos seus princípios mais importantes.
Mas há quem diga que o Supremo atropelou o Poder Legislativo. O senhor concorda?
Não   usurpou função legislativa, porque não lhe cabe fazer as vezes de   legislador. Ao promover a inclusão comunitária do segmento homoafetivo   do nosso país, o fez conciliando rigorosamente o direito constitucional e   o humanismo. Eu fico muito feliz.
O que o senhor pensa sobre a criminalização da homofobia?
No   mundo todo ocidental, civilizado, arejado mentalmente, há um repúdio à   homofobia. E o Brasil não poderia ficar de fora desse progresso   civilizatório.