“Atenção! Tomai cuidado contra todo
tipo de ganância: ainda que alguém tenha muitas coisas, a vida de um
homem não consiste na abundância de bens” (Lucas 12,13-21). 



           
Há uma experiência humana de fundo que todos, a um certo ponto da vida,
fazemos com maior ou menor clareza: a da sua precariedade e fugacidade,
do fluir irresistível do tempo e das coisas.



            A palavra de Deus, hoje, nos convida a fazer nossa escolha.



           
Diz a primeira leitura do livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades,
diz Coélet; vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Por exemplo: um homem
que trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a
deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou para conseguir.
Também isso é vaidade e grande desgraça. De fato, que resta ao homem de
todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol? Toda a
sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite
repousa o seu coração. Também isso é vaidade!”



           
O termo vaidade traduz uma palavra hebraica que significa vapor que se
dissipa no ar. Estas palavras refletem um estádio singular da fé: aquilo
em que se crê na existência e no juízo de Deus, na vida além da morte. O
salmista afirma: “O homem é como um sopro; os seus dias como sombra que
passa”. E Isaias: O homem é como a erva e a flor do campo: seca a erva e
a flor murcha. O resultado é desconcertante, que somente a fé em Deus e
um grande amor pela vida impedem de transformar-se em desespero e em
rebeldia aberta.



            O evangelho de hoje projeta
uma luz sobre o problema fundamental. A ocasião é dada por uma pessoa
que pede a Jesus de intervir em uma discussão com seu irmão por questão
de herança. Questões de herança, ontem como hoje, muitas vezes envenenam
as famílias e transformam irmãos em inimigos. Jesus lhe responde:
“Guardai-vos da cobiça. Esses dois irmãos fazem dos bens terrenos a
coisa mais importante da vida, diante da qual todo o resto passa a
segundo plano. “Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e tudo
o mais vos será dado em acréscimo”.



            Jesus,
nem ninguém, dirá que o homem não deve trabalhar, capacitar-se,
melhorar. Somente é condenável viver para acumular, reduzir-se a
máquinas para fazer dinheiro. Deve-se fazer dinheiro para viver, não
viver para fazer dinheiro.



            Muitas vezes
ouvimos a exclamação da parábola: “Estulto!” Quantas vezes o ambicioso, o
avaro, levam uma vida miserável e até de clandestinidade; não podem nem
mesmo gozar das riquezas acumuladas por medo de suspeitas sobre a sua
procedência, como acontece aos que se enriquecem ilicitamente e ou
buscam paraísos fiscais.



            A alternativa ao
“tudo é vaidade” é o enriquecer-se diante de Deus Não é nem mesmo
equivocado o acumular, mas o acumular por si mesmo, para esta vida onde
tudo é incerto menos o acumular por Deus: fazer o bem ao próximo e para a
vida eterna.



            “Fazei bolsas que não
envelheçam, um tesouro inesgotável no céu, aonde os ladrões não chegam
nem a traça os corrói. Porque onde está o vosso tesouro, aí estará o
vosso coração” (Lucas 12,33-34).



            Há algo que
podemos levar conosco, que nos acompanha em toda a parte e além da
morte: não são os bens, mas as obras. Não o que possuímos em vida, mas o
que tivermos feito. A coisa mais importante na vida não é portanto
possuir bens, mas fazer o bem, porque isto permanece para sempre:
“Bem-aventurados os que morrem no Senhor; suas obras os acompanharão”
(Apocalipse 14, 13).



            As leituras deste domingo
projetam luz sobre a situação atual. Afastando qualquer fé em Deus e na
vida eterna, os homens se encontram na situação do Eclesiastes. A vida
parece um contra-senso. Hoje, não se usa mais o termo “vaidade”, que é
de sabor religioso, mas o do absurdo: “Tudo é absurdo!” O teatro do
absurdo, após a 2ª grande guerra, foi o espelho de uma cultura, a
tradução teatral da filosofia existencialista. Os passos seguintes foram
a “Náusea” de Sartre: tudo oprime; o “surrealismo”: recusa da
realidade; na arte, a preferência para as coisas deformadas. Tudo exala
decomposição. O abandono da idéia do céu não fez mais livre e gozosa  a
vida sobre a terra!



            As criaturas voltarão a
ser belas e santas no dia que deixarmos de querer somente possuí-las, ou
somente “consumir”, para as restituirmos ao fim a que nos foram dadas:
alegrar nossa vida na terra e facilitar-nos a obtenção do nosso destino
eterno.



            Podemos rezar: “Ensina-nos, Senhor, a usar sabiamente os bens da terra, sempre orientados aos bens eternos”.


 


Oração Dominical (02/08/04) - Publicada no site da Arquidiocese de Salvador 


 


 


Fonte: http://www.universocatolico.com.br/index.php?/vaidade-das-vaidades.html

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