Autor - André Botelho - Grupo Duvidas Catolicas no Facebook

 


Que a graça de Nosso Senhor esteja contigo! Vou dividir sua resposta em dois ou três comentários.

Irmão, existe algumas semelhanças entre filosofias do período helenístico com a Doutrina Cristã, principalmente porque a partir da aplicação da Lei Natural (explico mais adiante este conceito) os pais da Igreja como Santo Agostinho e os doutores da Igreja como São Tomás de Aquino validaram bastante coisa de correntes filosóficas como o platonismo, do aristotelismo, do estoicismo e do plotinismo que ou são ou estão muito próximos do período helenístico.

Então existem algumas correntes de historiadores da filosofia pensam que a filosofia grega teria contribuído para “preparar” o cristianismo e difundem a crença que do helenismo ao cristianismo, existe uma continuidade, no qual um depnde do outro. O objetivo deles é basicamente é tratar o cristianismo um fenômeno sociocultural cujas fontes podem ser encontradas no movimento das ideias ou no ambiente socioeconômico que lhe teria dado o início e o reduzindo a mesma equivalência de mitologias pagãs e não lhe atribuindo o valor histórico e profundo que mudou o mundo. Para tal, essas correntes ignoram complemente o que se trata a “Revelação Divina” que é o norte de nossa fé na Pessoa Divina de Jesus Cristo. Para isso, é bastante comum difundir entre leigos dois tipos de falácias para confundi-los: as de causa e as terminológicas.

Pela falácia de causa, costuma-se atribuir a causa de uma coisa e uma outra predecessora. Entretanto, se uma coisa precede a outra, isso não significa que a primeira causou a segunda. Um exemplo claro disso: Quase todas as culturas do mundo chegaram à conclusão que cometer um assassinato deliberado é imoral. Isso é um aspecto da Lei natural (uma conclusão universal por meio da razão e da moralidade humana). Boa parte destas culturas chegaram a essa mesma conclusão moral mesmo sem nunca terem tido contato entre si (sendo impossível serem influenciadas umas pelas outras). Ai se vê que é falacioso afirmar que uma é causa da outra.

Mesmo que muitas filosofias e narrativas pré-cristãs tenham semelhanças com os evangelhos ou com a filosofia cristã não significa que uma influenciou a outra e que ambas podem convergir para uma mesma conclusão a partir de caminhos diferentes. Afirmar que o helenismo é precursor e influenciador do Cristianismo séria como dizer que por causa do filme Star Wars, a Nasa começou criar seu programa espacial copiando elementos da ficção dos cinemas e todo desenvolvimento da tecnologia espacial que temos hoje se dá por influência do cinema.

Nas falácias terminológicas A falácia terminológica ocorre quando os termos são redefinidos para provar um ponto, quando na verdade esses termos não significam a mesma coisa quando comparados à sua fonte. Quando por exemplo você pega o conceito de caridade no Estoicismo e o conceito de Caridade no cristianismo são coisas diferentes. Um existe uma política social humana, no outro uma virtude que só pode ser alcançada com a prática da fé na pessoa de Cristo. São conceitos que apresentam semelhanças em seu resultado (uma pessoa caridosa estoica vai agir muito parecido com uma pessoa caridosa cristã), mas que tem uma diferença fundamental na sua causa e no seu desenvolvimento (Um estoico jamais vai desenvolver a caridade como uma virtude e jamais vai atingir um ápice de amor para com o próximo como o cristão, porque o estoico não vê a Deus na figura do próximo). O estoicismo por exemplo, se volta para o homem interior, enquanto a cultura cristã visa que o homem em si nada pode e se volta para o Deus exterior. São conceitos diferentes que conflitam entre si.

Dito isso, vamos a alguns aspectos fundamentais para se entender melhor a questão:

1 - Questões históricas:

- No século I, quando surgiu o Cristianismo, o mundo militar e político era dominado pelo Império Romano e o mundo intelectual pela sabedoria Grega. O grego era como o inglês da época. As principais questões humanas eram discutidas na Grécia. Assim, a partida do Cristianismo na verdade teve um efeito contrário! Ele não foi influenciado pelo mundo grego, pelo contrário, ele buscou influenciar o mundo grego para a partir dele atingir todas as nações.

As características disso são perfeitamente observáveis. Os escritos cristãos do primeiro século eram em sua esmagadora maioria em grego para poder atingir o maior número de pessoas de diversas nacionalidades possíveis. Veja, não foram os gregos que influenciaram os primeiros cristãos a escreverem assim. Os próprios apóstolos, hebreus de origem, falantes do hebraico e aramaico resolveram produzir seu conteúdo em grego e utilizaram de muitos símbolos gregos dentro dos evangelhos para melhor se fazerem entender naquela sociedade pagã. Temos o claro exemplo de quando São Paulo sobre ao altar do “Deus Desconhecido” para pregar Cristo e de como ele se utilizava de figuras gregas para se fazer entender. Então o que houve nos primeiros séculos foi uma influência Cristã na cultura grega.

O choque de culturas foi tão radical que a primeiro momento que os gregos viram na mensagem cristã a invenção de um deus insano adorado por charlatães. Mesmo com as semelhanças entre estoicismo, platonismo, aristotelismo e a cultura cristã da época ainda assim os gregos a tratavam como enganadores, pois colocavam Deus no centro enquanto o Helenismo tinha por centro o homem (conforme vemos no estoicismo). Assim, o que se observa na prática nos 3 primeiros séculos é o contrário, ao invés do Helenismo influenciar o cristianismo, o cristianismo que influenciou a cultura grega da época.

Só a partir do século III em diante é que filósofos como Santo Agostinho começaram a separar os conceitos gregos a luz da Lei natural e a compará-los a teologia e filosofia cristã vendo os pontos de convergência. 

 

Segunda parte:

 

2 - A Lei Natural:

Aqui entre um conceito que leva muitas culturas a conclusões divergentes. A partir do uso da razão, o ser humano é capaz de chegar a conclusões morais universais. Este conjunto de conclusões recebeu o nome de Lei natural. Segundo o catecismo:

“1954. O homem participa na sabedoria e na bondade do Criador, que lhe confere o domínio dos seus actos e a capacidade de se governar em ordem à verdade e ao bem. A lei natural exprime o sentido moral original que permite ao homem discernir, pela razão, o bem e o mal, a verdade e a mentira:

«A lei natural [...] está escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens, porque não é senão a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar... Mas este ditame da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a intérprete duma razão superior, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem estar sujeitos»” (CIC, 1954)

Perceba, a lei natural é algo acessível pela razão independente da crença, cultura ou religião de um indivíduo. É uma conclusão universal. Exemplo que dei no início do texto. Todas as grandes civilizações chegaram a conclusão que um assassinato deliberado é imoral e mal e criou leis para prevenir e punir este crime. Repare que a sociedade grega jamais teve contato com a sociedade maia, sendo impossível que uma influencie a outra, mas ambas chegaram a essa mesma conclusão.

Segue o catecismo:

“1956. Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é universal nos seus preceitos, e a sua autoridade estende-se a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base dos seus deveres e direitos fundamentais:

«Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei, que é a recta razão; ela é conforme à natureza, comum a todos os homens; é imutável e eterna; as suas ordens apelam para o dever; as suas proibições desviam da falta. [...] É um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária: e é interdito deixar de cumprir uma só que seja das suas disposições; quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém o pode fazer»” (CIC, 1956)

e

“1957. A aplicação da lei natural varia muito; pode requerer uma reflexão adaptada à multiplicidade das condições de vida, segundo os lugares, as épocas e as circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como regra a unir os homens entre si, impondo-lhes, para além das diferenças inevitáveis, princípios comuns.” (CIC, 1957)

“1958. A lei natural é imutável (😎 e permanente através das variações da história. Subsiste sob o fluxo das ideias e dos costumes e está na base do respectivo progresso. As regras que a traduzem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que se lhe neguem até os princípios, não é possível destruí-la nem a tirar do coração do homem; ela ressurge sempre na vida dos indivíduos e das sociedades:

«Não há dúvida de que o roubo é punido pela vossa Lei, Senhor, e pela lei que está escrita no coração do homem e que nem a própria iniquidade consegue apagar»” (CIC, 1958).

e por fim

“1960. Os preceitos da lei natural não são por todos recebidos de maneira clara e imediata. Na situação actual, a graça e a Revelação são necessárias ao homem pecador para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas, «por todos e sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro» (10). A lei natural proporciona à lei revelada e à graça uma base preparada por Deus e concedida por obra do Espírito.” (CIC, 1958)

Perceba algo interessante nesses parágrafos do catecismo:

A lei natural é acessível pela razão, uma verdade universal e imutável que independe da cultura e que UNE os homens entre si. Assim seja aqui, ou seja, no japão, todos irão estar unidos de que o roubo é um crime, um assassinato é um crime etc.

A lei natural é uma ordem do universo que prepara a razão do homem para acolher a Revelação Divina e assim o homem poder andar mais retamente sobre os designios de Deus.

Por isso sera muito frequente as semelhanças entre filosofias gregas e a tradição e filosofia cristã. Os gregos, que não tinham uma religião definida, buscaram através de sua filosofia chegar a verdade e a oridem das coisas, discutindo o ser humano e suas implicações éticas, morais, políticas, sociais. Por isso chegaram a diversas conclusões verdadeis!

A igreja, o cristianismo, em sua sabedoria racional aplicada a revelação divina entende que estes pontos constituem uma verdade universal (que nada tem a ver com religião) e que portanto, são validos! Assim, não os descartamos porque foram desenvolvidos por outra cultura.

Do mesmo modo, algumas filosofias orientais chegaram a conclusões verdadeiras sobre a moralidade que também são acolhidas pela fé cristã como reais.

Isto não é uma influenciando a outra é um reconhecimento da verdade. Para o Cristão, a verdade é absoluta e está acima de tudo. Assim, não faz sentido rejeitar uma conclusão verdadeira, porque se trata de outra cultura.

Foi assim que Santo Agostinho, Santo Tomás e tantos outros doutores do cristianismo preservaram as correntes filosóficas gregas que chegaram a essas verdades, apesar de rejeitar dentro dessas mesmas correntes as conclusões contrarias como o caso de o homem não ser o centro, a caridade ser uma virtude e não um sentimento humano etc.

Enfim, as semelhanças entre Cristianismo e Helenismo se dá pela Lei Natural e conclusões racionais, não por influência de pensamento.

3 - As diferenças de conceitos terminológicos são gritantes entre os helenistas e o Cristianismo. Vamos a alguns exemplos:

A) Uma primeira oposição fundamental se encontra no centro de todas as reflexões que gravitam em torno da noção de Verdade. Para os Helenistas a verdade podia ser alcançada apenas por esforço do homem e este era capaz de racionalmente identificar-se com Deus produzir sua salvação sem nenhuma intermediação divina.

Para a filosofia Cristã, o ser humano não é capaz de produzir a própria salvação se intermédio de Deus. As graças de Deus são necessárias para conseguirmos mantermos em nossos caminhos e devemos estar abertos a fé na Pessoa de Jesus Cristo, a partir da revelação, para poder abrir um caminho seguro para receber tais graças (principalmente a partir dos sacramentos).

Era nesse ponto que os principais defensores do helenismo no Seculo I acusavam os Cristãos de adorarem um falso Deus e de serem charlatões. É uma diferença de pensamento gritante!

B) As filosofias gregas são filosofias da interioridade que pensam que a verdade se encontra no homem, mas que ele a esqueceu e não sabe mais como encontrá-la. Para o helenista, o homem deve encontrar-se interiormente. Isso é muito forte no estoicismo.

Na filosofia Cristã, somos alertados constantemente sobre as enganosas aparências do verdadeiro que poderíamos extrair de uma reflexão sobre nós mesmos. Assim, o homem parte da revelação divina para acessar a verdade de maneira segura. Outro motivo de briga feia entre gregos e cristãos no século I.

C) O conceito de amor é extremamente diferente. O helenismo prega um amor dirigido as qualidades, não as pessoas. O cristianismo prega um amor agapé, atrelado ao individuo, gratuitamente, ainda que a pessoa não tenha qualidades para ser amada. Outro ponto que causou problemas entre gregos e cristãos.

Enfim a diversas outras diferenças grandes de pensamento. Mas e resumo, o que precisamos entender é, as filosofias não cristãs podem chegar a verdades universais pela Lei natural e se assim o fizerem o Cristianismo irá acolher tais verdades (não a filosofia em si), visto que são lógicas, racionais e acessíveis a todos pela lei natural. Isto não é influência, é apenas aplicação da lógica e da coerência.

Nossa Senhora lhe guarde!

 

Fonte: https://www.facebook.com/groups/duvidascatolicas/


 

 

 

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