A
concepção de ser humano e de vida que vigora no mundo ocidental foi
construída pela Filosofia e pelo Cristianismo. A Filosofia estabeleceu a
supremacia da razão em detrimento das explicações provenientes dos
sentidos e dos sentimentos, constituindo-a como instrumento de
demonstração lógica das justificativas dadas sobre a natureza e o homem.
Em contrapartida, o cristianismo enfatizou a supremacia do mundo
espiritual em prejuízo da razão, através da Revelação de Deus, criando
novos sentidos e valores.


O
Racionalismo provocou um impacto dentro da Igreja, especialmente na
área de estudos bíblicos e da interpretação das Escrituras. Estudiosos
da Bíblia, influenciados pelo Racionalismo, adotaram diversas posturas
em sua interpretação: Eles passaram a rejeitar a idéia de que Deus se
revela ou intervém na história e nos acontecimentos humanos. Revelação e
atuação divinas na história foram excluídas à priori. Como
conseqüência, os relatos dos Evangelhos acerca da atividade sobrenatural
de Jesus passaram a ser desacreditados: deviam ser meras lendas e
criações piedosas daqueles cristãos primitivos.


Os
racionalistas críticos justificaram sua abordagem "neutra" das
Escrituras afirmando que a Igreja Cristã, pelos seus dogmas e decretos
havia obscurecido o verdadeiro sentido das Escrituras. Tais
racionalistas diziam que, no caso dos Evangelhos, os dogmas acerca da
divindade de Jesus haviam obscurecido a sua figura humana, e tornaram
impossível, durante muito tempo, uma reconstrução histórica da sua vida.
Essa impossibilidade, continuam, tornou-se ainda maior após a Reforma,
quando a interpretação dos Evangelhos e do NT em geral passou a ser
controlada pelas confissões de fé e pela teologia sistemática.
Argumentam ainda que, para que se possa chegar aos fatos por detrás do
surgimento do Cristianismo, seria necessário deixar para trás dogmas e
teologia sistemática, e tentar entender e reconstruir os fatos daquela
época.


O
principal critério a ser empregado seria a razão, que os racionalistas
entendem como medida suprema da verdade. As ferramentas a serem usadas
seriam aquelas produzidas pela crítica bíblica, como crítica da forma,
crítica literária, entre outras. Os estudiosos responsáveis pelo
surgimento e desenvolvimento inicial deste método racionalista de ler a
Bíblia tentaram sustentar ao mesmo tempo sua fé em Deus e nas Escrituras
e um compromisso com o racionalismo.


Mas
gradualmente o racionalismo foi prevalecendo e sufocando a fé. Os
principais estudiosos, que acabaram por influenciar profundamente as
Faculdades de Teologia e as igrejas em toda a Europa e nos Estados
Unidos, (e posteriormente esta influência chegou ao Brasil), adotaram
algumas posturas quanto à Bíblia que poderiam minar a sua autoridade e a
confiança da Igreja nela, como a infalível Palavra de Deus.


Um
professor da Faculdade Teológica de Leipzig, na Alemanha, chamado Keil,
tornou-se conhecido por insistir que o conceito de inspiração divina
deveria ser deixado fora da leitura da Bíblia, já que dever-se-ia ler a
Bíblia de forma neutra, sem idéias pré-concebidas. Johann G. Eichhorn
(séc. XVIII-XIX), um erudito alemão orientalista da Faculdade de
Göttingen, aplicou o conceito de mito aos relatos miraculosos do AT e
NT. Para ele, mito era a maneira pela qual a raça humana articulava
conceitos nos tempos primitivos. As fontes que os autores bíblicos
usaram estavam revestidas de "mitos". Foi ele quem criou o termo "alta
crítica".


A
influência destes mestres foi muito grande em David F. Strauss (séc.
XIX), filósofo e teólogo alemão protestante. Ele sintetizou o
sobrenatural e o natural no conceito de mito. Declarou que os Evangelhos
estão cheios de sagas, lendas criadas pela Igreja apostólica sobre
Jesus.


Em
seguida, neste processo de descrédito da Bíblia, houve uma gradual
separação entre os dois Testamentos. A Bíblia, diziam eles, não é um
livro harmônico e coerente, mas se contradiz. Não se pode estudar o
Antigo Testamento à partir do Novo e nem vice-versa. Eles reagiram
contra a interpretação do AT que era feita do ponto de vista do NT
(interpretação cristológica). Ernesti (séc. XVIII), teólogo e filólogo
de Leipzig (Alemanha), insistiu que o AT e o NT fossem separados, e que a
leitura do NT fosse liberada do dogma eclesiástico da Igreja.


Finalmente,
alguém assumiu claramente o que já estava oculto, que era o abandono da
doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras. Johann Semler (séc.
XVIII), teólogo luterano alemão da Universidade de Halle fez a
separação entre palavra de Deus e Escritura Sagrada, e com isso rejeitou
o conceito de inspiração. O cânon era uma questão puramente histórica.
As Escrituras deveriam ser entendidas como testemunhas de uma época
histórica específica – sem relevância para hoje. Insistiu também em
separar o AT e o NT. Esse conceito levou à rejeição da doutrina da
revelação, inspiração e da intervenção sobrenatural de Deus no mundo.
Como resultado, a Bíblia passou a ser estudada como qualquer outro
livro, e o método histórico-crítico passou a ser a única ferramenta que
poderia descobrir a verdade.


O
impacto do racionalismo se fez sentir primeiramente nos seminários e
faculdades de teologia. Mas logo, os pastores que ali estudaram,
passaram estas idéias para suas igrejas. A missão da Igreja deixaria de
ser a evangelização de todos os povos e passou a ser obra social. Começa
o movimento ecumênico, já que agora percebeu-se que o Cristianismo é
uma religião igual às outras. Ser cristão não é mais visto como crer e
seguir a Jesus Cristo, mas em viver uma vida moralmente correta e fazer
obras sociais.


Não
demorou muito para que as igrejas européias atingidas por esta forma de
“cristianismo” começassem a se esvaziar. E este processo continua até o
dia de hoje. Graças a Deus já podemos observar uma reação na própria
Alemanha, de estudiosos que voltam a insistir em interpretar a Bíblia
levando em conta o fato de que ela é a Palavra de Deus.


O
Cristianismo moldado pelo racionalismo alcançou o Brasil de diversas
maneiras. Primeira, através de pastores brasileiros que foram estudar no
exterior, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, em seminários e
universidades onde este tipo de leitura da Bíblia predomina. Voltando
com graus de mestre ou doutores, tornaram-se professores de seminários
evangélicos, onde transmitem estes conceitos aos alunos, futuros
pastores das igrejas.


Segunda,
através da literatura. Muito material escrito por estudiosos
teologicamente liberais foi traduzido para o português. Os pastores
brasileiros que não têm conhecimentos destas coisas, mas que são ávidos
por aprender, acabam comprando e consumindo este material.


A
ala progressista da Igreja Católica, influenciada por este tipo de
abordagem da Bíblia, também traduz e publica muito material desta linha,
utilizando-se de editoras católicas. Os cursos superiores de teologia
das universidades católicas são via de regra dentro do “estudo
científico” da Bíblia.


Não
podemos desprezar e rejeitar tudo que vem do racionalismo. A sua
influência nos estudos da Bíblia serviram para alertar a Igreja da
necessidade de estudar mais seriamente a Bíblia e utilizar-se de outras
ciências que podem funcionar como auxiliares da teologia. Por outro
lado, precisa-se ter cuidado com os princípios por detrás dos métodos de
interpretação e das teologias surgidas debaixo do impacto do
racionalismo. Deus é deixado de fora como Aquele que existe e atua
diretamente neste mundo que Ele criou para a Sua glória.


Deve
existir uma teologia, uma vida cristã e igrejas que sejam firmadas na
verdade, que valoriza os estudos e o desenvolvimento do conhecimento
teológico, e que por outro lado não abre mão da infalibilidade das
Escrituras e sua autoridade para nós hoje.





Fonte: https://homota2.wordpress.com/2009/05/10/racionalismo-na-igreja/

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