As verdades que Cristo pregou do alto da montanha continuam válidas para
hoje: fora da Cruz não existe outra escada por onde subir ao Céu.








Embora seja contraditória, tem atraído muitas pessoas a ideia de um
Cristianismo sem sofrimento, sem penitências nem mortificações. Não se
fala mais da necessidade de renunciar a si mesmo e tomar a própria Cruz
[1], embora tenha sido o próprio Cristo a sublinhar tal obrigação. Não
se ostenta mais a figura de Jesus Crucificado nas paredes de construções
e nem mesmo nas igrejas, como se a constante lembrança das dores de
Cristo fosse penosa ou até perigosa para as pessoas.


É, de fato, um ditado bastante repetido: “Falar só de dor e sofrimento
afasta as pessoas da Igreja". Mas, onde está a caridade daqueles que
calam tais temas apenas para manter o número de fiéis? É certo que o
homem moderno não quer ouvir falar dessas coisas – antes, prefere que
adociquem sua boca com o mel das novidades e dos prazeres. Mas a
religião católica tem que ver com as vontades e preferências do mundo
ou, antes, com a vontade e o reinado de Deus? A fé cristã tem que ver
com o que o homem deseja ou com o que o homem verdadeiramente precisa?


Rebate-se: “Mas, o homem precisa sofrer?" Na verdade, a pergunta está
mal colocada. Não é que o ser humano precise sofrer; é que ele precisa
amar. E, novamente – afinal, sempre convém repetir –, neste mundo, não é
possível que sejamos privados de sofrer simplesmente porque não podemos
ser dispensados de amar. Não é que a religião cristã seja “masoquista"
ou cultue a dor; é que foi esse o meio que Cristo escolheu para amar-nos
e é também o meio pelo qual nós devemos amá-Lo. “Deus, que te criou sem
ti, não te salvará sem ti" [2], diz Santo Agostinho. Não basta que o
sangue de Cristo tenha sido derramado por todos; é preciso que
aproveitemos de Sua eficácia, associando a nossa liberdade à ação da
graça divina.


Neste tema, adverte o padre Garrigou-Lagrange, é preciso evitar dois
extremos perigosos: o primeiro, menos comum, é o rigorismo jansenista,
que apregoa a prática de árduas mortificações sem considerar a razão
para isso, como que numa tentativa de alcançar o Céu por forças
puramente humanas. Com isso, perde-se de vista “o espírito da
mortificação cristã, que não é soberba, senão amor de Deus" [3].


O segundo erro a ser evitado parece dominar o mundo de hoje: trata-se
do naturalismo prático. Com os argumentos já apresentados acima, essa
tendência reduz a fé cristã a um bom mocismo, ignorando – ou fingindo
ignorar – as consequências do pecado original sobre o gênero humano.


Nessa brincadeira perigosa, nem as palavras de Jesus contam mais. O
Cristo que adverte para arrancarmos de nós os olhos e as mãos, se são
para nós ocasião de queda, porque “é melhor perderes um de teus membros
do que todo o corpo ir para o inferno" [4]; o Cristo que pede que
ofereçamos a face esquerda a quem bater em nossa direita, que
entreguemos o nosso manto a quem nos tirar a túnica, que andemos dois
quilômetros, ao invés de um só [5]; o Cristo que alerta para não
jejuarmos “de rosto triste como os hipócritas" [6], “só para serdes
notados" [7], é solenemente ignorado pelos naturalistas, que preferem
fundar para si uma nova religião: a de um deus leniente com o pecado,
com a indolência e com a preguiça espiritual.


É preciso deixar muito claro que não é possível construir um “novo"
caminho diferente do que indicou Jesus e do que trilharam os Santos.
“Mirabilis Deus in sanctis suis", diz a Vulgata: “Deus é maravilhoso nos
Seus santos" [8]. E eles não passaram por outra via senão a da
mortificação. Como se explica, por exemplo, que uma Santa Catarina de
Sena tenha começado tão cedo a flagelar-se e a fazer jejuns rigorosos
[9]? Que, defender a sua pureza São Francisco se tenha revolvido na
neve, São Bento se tenha jogado num silvado e São Bernardo tenha
mergulhado num tanque gelado?


A chave para todas essas penitências é o amor, que não pode ser vivido
neste mundo sem que crucifiquemos a nossa carne. Santo Afonso de Ligório
ensina que “ou a alma subjuga o corpo, ou o corpo escraviza a alma".
São Bernardo respondia aos que zombavam dos penitentes do seguinte modo:
“Somos em verdade cruéis para com o nosso corpo, afligindo-o com
penitências; porém mais cruéis sois vós contra o vosso, satisfazendo a
seus apetites nesta vida, pois assim o condenais juntamente com a vossa
alma a padecer infinitamente mais na eternidade".


Por que não se fala mais dessas coisas em nossas igrejas? Porque,
infelizmente, quase nenhum espaço foi preservado desse maldito
naturalismo, que pretende “inventar a roda" moldando um Cristianismo sem
Cruz.


Para viver, é necessário mortificar-se, morrer mesmo, como o grão de
trigo de que fala o Evangelho [11]. As verdades que Cristo pregou do
alto da montanha continuam válidas para hoje e, como diz Santa Rosa de
Lima, “fora da Cruz não existe outra escada para subir ao Céu".


 


Por Equipe Christo Nihil Praeponere


Referências



  1. Cf. Lc 9, 23

  2. Santo Agostinho, Sermão 169, 13 (PL 38, 923)

  3. Reginald Garrigou-Lagrange, Las Tres Edades de la Vida Interior, II, 2, 2. Arquivo em PDF, p. 166

  4. Mt 5, 30

  5. Cf. Mt 5, 39

  6. Mt 6, 16

  7. Mt 6, 1

  8. Sl 67, 36

  9. Cf. Santa Catarina de Siena, a voz profética de Deus

  10. Cf. Jo 12, 24


Fonte: https://padrepauloricardo.org/blog/a-mortificacao-escada-para-subir-ao-ceu

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