A predestinação pode ser definida: é o ato
misericordioso pelo qual, desde toda eternidade, Deus amou
gratuitamente, escolheu livremente e orientou eficazmente para a
beatitude suprema todos aqueles que devem ser salvos. Os termos dessa
definição se compreendem por si mesmos. Se toda graça é uma
misericórdia, deve-se considerar como soberanamente misericordioso o ato
divino que assegura o coroamento eterno da graça, o insigne beneficio, a
glória.






Os predestinados são escolhidos e, antes de tudo, os
bem amados, porque toda escolha supõe o amor. Deus, portanto, ama, desde
toda eternidade com um amor que, não tendo sido provocado pela sua
criatura, é, de sua parte, inteiramente gratuito; e, porque ele a
escolheu, ele orienta eficazmente para o seu destino, de modo que o
eleito chegará infalivelmente, embora com a sua livre cooperação, ao
termo da salvação. A predestinação é mais que a Providência comum, mais
até que a Providência sobrenatural em geral ela é uma Providência toda
singular que garante ao eleito graças eficazes para o tempo e glória
para a eternidade. Todos os católicos admitem, contra os Pelagianos, a
existência em Deus de uma predestinação. Alguns teólogos da escola de
Molina, sem praticamente pôr em dúvida a Predestinação, pensaram que
teoricamente ela não era em absoluto necessária, e que os mesmos efeitos
poderiam, em rigor, ser procurados pela Providência geral. Ambrósio
Catarino distingue duas espécies de predestinados: para a Virgem Maria, e
para os heróis da santidade que devem constituir as maravilhas da ordem
sobrenatural, é necessária uma predestinação especial, mas, para o
comum dos eleitos, a predestinação não é absolutamente necessário. Essa
opinião não tem mais defensores. Outros teólogos, em contrário, declaram
com o dominicano Domingos Bañez, que não se pode sem prejuízo para a fé
negar a necessidade da predestinação divina [1].


O que quer o que se pense sobre esta questão
especulativa a respeito da necessidade absoluta, a existência de fato de
uma predestinação é verdade de fé.


Temos, em primeiro lugar, as afirmações categóricas da Escritura: "Vinde benditos de meu Pai, possuir o reino que vos foi preparado desde a origem do mundo"
[2]. Portanto, Deus desde toda eternidade preparou para os seus
eleitos, seus bem-amados, a beatitude e a glória, e esta preparação é
uma eleição; uma predestinação especial, porque ela não foi concedida a
todos os homens, nem mesmo a todos os cristãos. S. Paulo é o Doutor da
predestinação: "os que Deus predestinou, os chamou, os justificou, os glorificou"
[3]. O Apóstolo atribui ao ato misterioso de Deus, chamado
predestinação, três grandes efeitos: a vocação à salvação, a
justificação pela graça, a glorificação no céu. Em outro texto ele volta
a essa doutrina: "Deus nos escolheu no Cristo, antes da
constituição do mundo, para que sejamos santos e imaculados aos seus
olhos, na caridade; ele nos predestinou para que fôssemos seus filhos
adotivos, por Jesus Cristo, segundo o bel prazer da sua vontade, para o
louvor da glória de sua graça
". [4]


[1] Cf. BAÑEZ e os outros comentadores na S. T., in I. P., q.23.


[2] Mat., XXV, 34.


[3] Rom., VIII, 28, 30.


[4] Ef. I, 4, ss.


Toda a teologia da salvação está condensada nesse
texto. Deus escolheu os bem-amados desde toda eternidade, e
escolhendo-os, ele tinha um ideal, ele olhava para um modelo, o seu
Bem-amado por excelência, o Cristo Jesus, cuja filiação natural é o tipo
da nossa filiação adotiva; ele nos elegeu gratuitamente segundo o seu
bel prazer, e para que própria felicidade se tornasse glória para ele.


Alguns rápidos testemunhos dos Santos Padres nos
instruem sobre a tradição católica. "Esta predestinação que defendemos
segundo a Sagrada Escritura, diz Santo Agostinho, ninguém a pode
contestar, sem erro" [5]. Acrescenta S. Próspero: "Nenhum católico nega a
predestinação divina" [6]. Conclui São Fulgencio: "Crede firmemente que
Deus antes da constituição do mundo, predestinou como filhos adotivos
todos aqueles os quais quer fazer por sua bondade gratuita vasos de
misericórdia". [7] Eis agora as declarações do Magistério Eclesiástico.
Lê-se no concílio de Kiersy (853): "O homem, ao fazer um mau uso do seu
livre-arbítrio, pecou e caiu; daí vem esta massa de perdição; do gênero
humano inteiro. Deus justo e bom escolheu nessa massa pela sua
presciência aqueles que por sua graça predestinou à vida, e ele os há
predestinado para a vida eterna." [8] Assim, o ato eterno de Deus é uma
eleição, e tal eleição é gratuita, porque é pela graça que Deus escolhe:
essa escolha predestina os eleitos para a vida eterna.


Ensina o concílio de Valença (855), a esse respeito
três verdades principais: "1° que há uma predestinação dos eleitos para a
vida eterna; 2° esta eleição é uma misericórdia que precede as boas
obras dos santos; 3° pela predestinação Deus decreta de toda a
eternidade o que ele mesmo cumprirá no tempo, pela sua misericórdia
gratuita." [9]


[5] S. AGOSTINHO. De Dono Persev., c. XIX, n. 48, P. L., XLV. 1023.


[6] S. PROSPERO. Resp. I, ad object. Gall.; P. L., LI, 157.


[7] S. FULGENCIO. De Fide ad Petrum, c. XXV.; P. L., LXV, 703.


[8] DENZINGER. 316. 621.


[9] Idem., 322. 628.


O concílio de Trento constantemente apela para o
dogma da predestinação como para um mistério tão insondável quanto
certo: "Que ningúem, nesta vida mortal, tenha a presunção de penetrar no
mistério secreto da predestinação divina, a ponto de afirmar
absolutamente que ele é do número dos predestinados, como se fosse certo
que aquele que é justificado não pode pecar ou que, se pecar, pode
prometer seguramente o seu arrependimento. A não ser por uma revelação
especial ninguém pode conhecer os que Deus  escolheu" [10]. "Anátema a
quem disser que o homem regenerado e justificado tem o poder de crer que
ele está no número dos predestinados" [11]. "Anátema a quem disser que a
graça da predestinação não é concedida senão aos predestinados e que os
outros são também certamente chamados, mas não recebem a graça, visto
que eles são predestinados para o mal pelo poder divino" [12].


O ensinamento conciliar de Trento pode ser resumido assim:


1° - a predestinação divina é uma verdade de Fé;


2° - ela é um mistério insondável, e ningúem neste
mundo pode sem revelação saber com uma certeza infalível se está
predestinado;


3° - pode haver verdadeiros justos que não são
predestinados: essas almas receberam realmente a graça santificante e,
se elas a perderam e não perseveraram, é unicamente por sua falta, e não
por que Deus as devotou para o mal.


Que nos dia a razão teológica? A perfeição do Deus
imutável, cuja ciência infinita e a causalidade universal descem a todos
os pormenores, exige que ele ordene e regule de toda a eternidade o que
executará no tempo, porque ele deve realizar um dia pela sua graça a
beatitude dos seus eleitos, ele a quis e a decretou de toda eternidade;
ele a destinou anteriormente a tais e tais, e, ao mesmo tempo determinou
os meios que a asseguram eficazmente a posse. "Ver este meio e este fim
sobrenaturais preparar eficazmente o meio para o fim; é o que chamamos
de predestinação. Na inteligência divina é a obra de uma profunda
sabedoria; na vontade divina, a obra de uma misericórdia infinita,
totalmente gratuita" [13].


[10] Sess., VI, cap. 12; DENZINGER, 805. 1540.


[11] Sess., VI, can. 15; DENZINGER, 825. 1565.


[12] Sess., VI, can. 17; DENZINGER, 827. 1367.


[13] P. MONSABRÉ. Conférences de Notre-Dame, 23a. Conf.


II - Os efeitos da predestinação


Chamamos de efeito da predestinação tudo aquilo que
no plano divino e sob a direção de Deus deve realmente conduzir à
glória. Esses efeitos são de duas ordens: uns são diretos e imediatos,
os outros, indiretos. Os efeitos diretos são, por si mesmos, de ordem
sobrenatural e devem levar o homem ao seu termo final. São aqueles já
formulados pelo apóstolo Paulo[14].


Primeiramente, a vocação que começa a obra de vida e
sem a qual nada poderá chegar a termo. Entendemos por vocação sejam as
graças cristãs que solicitam a inteligência e a vontade, sejam os
socorros exteriores, pregação, bons exemplos, e outros meios dos quais a
Providência se serve para levar as almas à salvação. "Quos praedestinavit hos et vocavit"
aos quais predestinou, a estes chamou. Em segundo lugar a justificação
que nos torna filhos e herdeiros de Deus e permite aos adultos merecer a
recompensa como uma espécie de conquista. A justificação compreende a
graça santificante, nossa verdadeira deificação; o bom uso da graça que é
um trabalho excelente na obra da salvação, como acentua S. Tomás [15]; a
perseverança final, que conclui definitivamente o curso e que é chamada
pelo Concílio de Trento [16] "magnum donum, o dom por excelência". "Et quos vocavit hos et justificavit",
aos que Deus chamou, justificou-os. Finalmente, a glorificação, porque a
predestinação é, antes de tudo, a eficaz intenção da glória. Essa
glorificação comporta a visão e o amor beatíficos, que são a recompensa
essencial; as auréolas e as outras recompensas acidentais; e, após a
Ressurreição, a glória inadmissível do corpo: "Quos autem justificavit illos et glorificavit"; aqueles que Deus justificou, glorificou-os.


[14] Rom., VIII, 28-30.


[15] S. TOMÁS, Comm. in Epist., ad Rom., VIII, 28-30.


[16] Sess., VI, cap. 16; DENZINGER, 826.1560.


Entende-se por efeito indiretos da predestinação um
conjunto de fatos, de circunstâncias ou de realidades, que embora
naturais, são ordenados pela Providência para o sobrenatural e,
finalmente, à salvação: a saúde, as riquezas, a prosperidade, enquanto
elas se fazem auxiliares da virtude e um meio de amor a Deus. A doença,
os infortúnios, as desgraças de todas as espécies, enquanto são queridos
ou permitidos por Deus, como uma ocasião de paciência e de mérito, de
penitência mais generosa, de caridade mais ardente, etc., são efeitos da
predestinação e procedem do Amor infinito. Esta doutrina, tão bela
quanto consoladora, não é invenção dos teólogos. Ela está contida na
palavra tão significativa de S. Paulo: "Diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum" [17]. Para os que amam a Deus, todas as coisas concorrem para o bem, para este bem verdadeiro que é a salvação.


III - A reprovação. Os erros e a fé católica.


Atribui-se a Lucídio, padre gaulês do século V, ter
ensinado que quem não foi escolhido para a vida eterna é forçado ao mal.
Seja quem fosse esse Lucídio, que aliás se retratou [18], esses erros
foram retomados, no século IX, por Gottescalk, monge da abadia de
Orbais, e pouco a pouco condensados em um sistema, que foi chamado de o
predestinacionalismo. Esse inovador admitia uma dupla predestinação:
uma, dos eleitos ao repouso na glória; outra, dos reprovados, para a
morte eterna. Todos aqueles que não foram escolhidos para o Bem, são
forçados para para o mal, como os eleitos fazem o bem fatalmente [19].


[17] Rom., VIII, 28.


[18] Esta retratação está reproduzida em Bibl. Max., VIII. 525.


[19] Cf. SCHWANE. Histoire des dogmes, tom. V, ch. IV.


Wiclef, João Hus, Jerônimo de Praga, renovam essas
blasfêmias, repetidas ainda por Lutero e Calvino. Lutero abribui a Deus a
responsabilidade do pecado e do mérito. A doutrina de Calvino é ainda
mais radical: os homens, diz ele, não são todos criados em condição
igual, porque Deus predestina uns para a vida eterna, os outros, para a
condenação eterna. Os Jansenistas pretendem que Deus, depois da culpa
original, não quer sinceramente a salvação de todos os homens, e que,
Cristo não tendo morrido senão para os predestinados, os outros são
abandonados e entregues à ruína. Apressemo-nos a opor a essas
monstruosas teorias os ensinamentos da Igreja Católica. O concílio de
Orange (529) declara: "Não somente nós não cremos que alguns homens
sejam predestinados para o mal pelo poder divino, mas, se há espíritos
que desejam acreditar em tão grande mal, nós lhes lançaremos o anátema
com indignação" [20]. O concílio de Kiersy (853) diz paralelamente:
"Deus conheceu pela sua presciência os que devem se perder, mas ele não
os predestinou a se perderem. Porque Deus é justo, ele predestinou uma
pena eterna para a sua falta" [21]. Mais explícito foi o concílio de
Valença (855): "Nós confessamos firmemente a predestinação dos eleitos
para a vida e a predestinação dos ímpios para a morte, mas com esta
diferença: que na eleição dos que devem ser salvos, a misericórdia de
Deus precede o mérito, enquanto que na condenação dos que se perderam, o
demérito precede o justo julgamento de Deus. Pela predestinação Deus
somente decretou o que ele mesmo deve fazer por sua misericórdia ou por
seu justo julgamento. Para os maus Deus previu a malícia deles, porque
ela vem deles mesmos. Ele não a predestinou porque a malícia não vem
dele. Quanto à pena, que segue as suas obras más, ele a previu e a
predestinou, porque ele é justo e coloca sobre todas as coisas, segundo a
observação de Sto. Agostinho, uma sentença tão irrevogável quanto certa
é sua presciência. Com o concílio de Orange nós lançamos o anátema a
todos os que disserem que alguns homens são predestinados para o mal
pelo poder de Deus" [22].


[20] DENZINGER, 200. 397.


[21] DENZINGER, 316. 627.


[22] Can., 3; DENZINGER, 816. 1556.


Por fim, é necessário lembrar as definições do
concílio de Trento: "O pecado não vem de Deus, pois são os próprios
homens que tornam más as suas vias" [23].


A doutrina católica se reduz aos seguintes pontos:


1° - Há uma reprovação para os maus, quer dizer, um
justo julgamento de Deus, que de toda a eternidade decreta que os
indignos serão punidos por suas faltas. A Escritura não emprega a
palavra reprovação, mas afirma a sua realidade em termos equivalentes:
ela chama os reprovados de maus: "Ide malditos de meu Pai, para o fogo eterno" [24]; de filhos da perdição: "Aqueles que me destes, eu os guardei, e nenhum deles pereceu senão o filho da perdição" [25]; de vasos de cólera, destinados à ruína [26].


2° - A reprovação não é um ato que decreta o pecado,
como a predestinação decreta o bem, mas somente um ato que pronuncia o
castigo, por causa dos pecados que os homens cometerão por si mesmos e
por sua malícia. Também nosso Senhor dizendo aos reprovados: "Retirai-vos de mim malditos, ide para o fogo eterno", justifica a sua sentença: "Tive fome e não me destes de comer", etc.


3° - Na reprovação Deus não decreta a pena senão após
ter previsto a falta, enquanto que na predestinação ele decide dar ao
menos a graça de prever o mérito.


4° - Na predestinação Deus decide auxiliar os eleitos
a se salvarem. Na reprovação muito longe de querer ajudar os maus a se
perderem, consente em lhes conceder todos os socorros necessários ao
cumprimento do dever, e ainda se ocupa delas pela sua Providência comum e
mesmo pela sua Providência sobrenatural geral, de modo que se eles se
perdem, não é porque se lhes foi impossível serem bons, mas porque
rejeitaram sê-lo: "Nec ipsos malos ideo perire quia boni esse non potuerunt, sed quia boni esse noluerunt" [27].


[23] Sess., VI, can. 6; DENZINGER, 816. 65.


[24] Mat., XXV, 41.


[25] Jo., XVII, 12.


[26] Rom., IX, 22.


[27] Conc. Valent., can. 2; DENZINGER, 321.


IV - A gratuidade da predestinação e a justiça da reprovação.


O que é certo, o que é livremente discutido Os
Pelagianos, que negavam a necessidade da graça, destruíram, de um só
golpe, o fundamento da predestinação ao sustentarem que o homem pode,
sem a intervenção gratuita de Deus, alcançar a salvação. Os
semi-Pelagianos admitiam a graça sobrenatural, mas pretendiam que todos
podem somente pelas suas forças chegar ao começo da salvação e a se
preparar para a primeira graça. Uma vez recebida a justificação teremos
direito à perseverança final e conseqüentemente à glória que a coroa.
Portanto, não há predestinação gratuita.


Todos os católicos estão de acordo sobre estes pontos fundamentais:


1° - A reprovação é um ato de perfeita justiça,
porque ela pronuncia a pena unicamente para punir a falta, e após ter
previsto essa falta.


2° - A glória não sendo concedida senão àqueles que
fizeram o bem, ela é, em sentido muito verdadeiro, a recompensa do
mérito e pode ser chamada segundo a linguagem de S. Paulo, uma coroa de
justiça [28].


[28] II Tm 4,8.


3° - Mas, para merecer a glória, é necessário possuir
a graça e, a primeira graça sendo inteiramente gratuita, disto se
conclui que Deus, coroando nossos méritos, coroa os seus próprios dons.
Expressão que gostavam de repetir os papas e os concílios, depois de
Sto. Agostinho, que escreve: "É tão grande a bondade de Deus, diz o Papa
Celestino I, que ele quer que os seus dons sejam os nos sos méritos,
para os quais será reservada a recompensa eterna" [29]. Segundo o
concílio de Orange: "A coroa é devida às nossas boas obras se elas têm
lugar, mas a graça, que não é devida, precede para que elas tenha lugar"
[30].


4° - A predestinação, tomada no seu conjunto, para a
preparação de todos os bens da salvação, desde a vocação até a
glorificação, ou mesmo só para o apelo à graça, é inteiramente gratuita:
porque é de fé que ninguém pode se preparar para a graça unicamente
pelas suas energias [31]. O que é livremente discutido entre os teólogos
católicos é o problema: a escolha divina que chama os predestinados
para a glória será absolutamente gratuita ou será influenciada pela
previsão dos méritos, no sentido de que Deus escolhe tais homens para a
glória após ter previsto que eles aproveitarão a graça? Em largos
traços, vejamos as principais soluções desse problema: Eis, em primeiro
lugar, a solução da escola tomista: Deus quer sinceramente a salvação de
todos os homens, e ele não predestina ninguém para o pecado e para a
condenação. Contudo, antes de toda previsão dos méritos do homem, só por
sua bondade, ele escolhe tais e tais para a glória eterna. Em virtude
desta escolha, ele lhes prepara os socorros e as glórias que os farão
chegar infalivelmente, mas pela sua cooperação pessoal, à salvação e à
beatitude: eis a predestinação. Paralelamente, antes de toda previsão
dos atos humanos, ele quer permitir que outros homens por sua própria
falta não cheguem à gloria e se condenem. Mas também para estes Deus
prepara todas as graças necessárias para a salvação, de sorte que, se
eles se perdem, não será por falta de graça, mas por falta de boa
vontade. Eis então, a reprovação negativa. É somente após ter previsto
que os homens abusando da graça e do livre-arbítrio se entregarão ao
mal, que Deus decreta a puni-los. Eis, então, a reprovação positiva.
Neste sistema verificam-se perfeitamente as palavras do concílio de
Kiersy: "Que os homens sejam salvos, é dom de Deus; que alguns outros se
perdem, é falta deles mesmos" [32].


[29] S. CELESTINO. Lettre aux Evêques des Gaules, cap. 12; DENZINGER, 184,381.


[30] Concílio de Orange, can. 18; DENZINGER, 191. 388.


[31] Cf. Concílio de Orange, can. 5, ss; Concílio de
Trento, sess. VI, can. 3; DENZINGER, 178, ss. 813. - Ver os textos dos
conc.de Kiersy e de Valência precedidamente citados, onde está dito que
Deus predestina pela graça e salva pela misericórdia.


[32] DENZINGER, 317. 622.


Os molinistas puros rejeitam a reprovação negativa, e
não admitem que a eleição dos predestinados seja em todos os pontos
gratuita. Deus quer igualmente a salvação de todos os homens, embora não
conceda a todos graças iguais. Ele prevê, por sua ciência média, que
alguns homens cooperarão com a graça até o fim, e é por causa dessa
previsão que os predestina para a glória. Deus prevê que outros farão o
mal, e é por isso que eles os reprova. Os congruístas, com Suarez,
Belarmino, etc., dizem: Deus prevê que se colocasse tais homens em tais
circunstâncias favoráveis, eles cooperariam com a graça e se salvariam, e
por isso ele os escolheu. A eleição é gratuita neste sentido que Deus,
independentemente da previsão dos méritos, predestina à glória e quer
colocar tais pessoas em circunstâncias favoráveis; mas, por outro lado, a
gratuidade não é absoluta, por que Deus sabe, por sua ciência média, e
independente do seu decreto, que os homens se beneficiarão das graças
oferecidas. Nesta exposição em que nos colocamos ao abrigo de toda
polêmica, não será o lugar de empreender a crítica dos diversos sistemas
[33]. Apenas queremos lembrar que o molinismo e o congruísmo são
perfeitamente livres na Igreja, e, se o tomismo tem para si o mistério,
tem também consigo a lógica, que proclama a independência absoluta de
Deus e a gratuidade das suas escolhas: mistério e lógica, os tomistas
não temem nem um nem o outro, persuadidos de que a lógica leva à
verdade, e o mistério, a Deus. Na prática, o cristão não tem que se
preocupar com as teorias das escolas. O meio infalível para ele resolver
o problema, é amor a Deus e seguir a sua Lei, segundo o mandamento de
S. Pedro: "Esforçai-vos meus irmãos, de tornardes certas pelas vossas
boas obras vossa vocação e vossa eleição" [34].





[33] Cf. Tractatus dogmatici, t. I, De Deo Uno, et t. II, de Gratia.


[34] II. Pe., I, 10. - Cf. Santo AGOSTINHO. De
Praedestinatione sanctorum, P. L., XLIV, De dono perseverantiae, P. L.,
XLV; S. T., I, 23 e o comentário do Pe. PÈGUES. P. MONSABRÈ. Carême de
1876; Ed. HUGON. Hors de l'Eglise point de salut Paris, Téqui.




Fonte: livro: OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO. Tradução: D. Odilão Moura O.S.B.


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