No relato bíblico da Criação
    registram-se as operações da Palavra de Deus enquanto criava.
    O "Disse Deus" evidencia o impulso inicial criador e a expressão
    "E Deus viu que era bom" caracteriza cada novo estágio completo,
    criado. No segundo dia tal expressão não aparece, eis que
    aquela operação só será completada no princípio
    do terceiro dia, ocasião em que se completará o mecanismo
    das águas e a delimitação com a terra seca, circunscrevendo-a.
    Depreende-se da própria narrativa
    que tudo aquilo que Deus faz é perfeito, principalmente por ser
    de sua própria natureza e essência fazer o que faz perfeito.
    Descabe, portanto, a expressão "viu que era bom" sistematicamente
    repetida à perfeição da obra que Deus cria, ainda
    mais quando ela não aparece quando da criação do Homem,
    sua Obra-Prima:


"Deus disse: ‘Façamos
o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles
dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos,
todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra"

(Gn 1,26).

Aí está: Deus cria o Homem
"à sua imagem e semelhança" e como tal tendo poder
sobre toda a Criação:
"Deus criou o homem
à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher
os criou. Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do
céu e todos os animais que rastejam sobre a terra’. Deus disse:
‘Eu vos dou todas as ervas que dêem semente, que estão sobre
toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão
frutos que dêem semente: isso será vosso alimento. A todas
as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra
e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das
plantas’, e assim se fez. Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito
bom. Houve uma tarde e um manhã: sexto dia"
(Gn
1,27-31)
.

Num só lance o narrador finaliza
o último dia de Criação, o sexto dia. Nele criou Deus
"os animais domésticos, répteis e feras segundo a sua espécie"
e "Deus viu que era bom". Porém, após criar o Homem
não diz o mesmo, "não viu que era bom"; mas, após
cuidar da alimentação do que foi criado nesse último
dia, "Deus viu tudo o que tinha feito: e tudo era muito bom". Só
se pode concluir daí que Deus verificava se tudo "era bom" para
o Homem
, para quem Deus tudo criava. Um comparação facilitará
a compreensão: é tal como sucede a um profissional, ao selecionar
material e ferramentas para fazer uma mesa de madeira. Ao selecioná-los,
um a um, vai dizendo de si para si mesmo ser bom o que separa, bom
para a finalidade que busca, - a construção da mesa de madeira:
separa o martelo e ao separá-lo "vê que isso era bom";
separa os pregos e ao fazê-lo "vê que eram bons"; separa
a madeira para os pés e "vê que era boa"; separa as
tábuas do tampo e da mesma forma "vê que eram boas";
tudo o que separou era bom para a mesa que queria construir;
e, ao concluí-la mira toda a mesa pronta e "vê que ficou
muito boa
". É essa a imagem que se irradia de toda a narração
em análise.




A expressão "e Deus viu que era
bom
" (1,4.10.12.18.21.25 e 31) traduz que tudo foi criado para o homem,
a ele amoldado e entregue servindo-lhe até mesmo de alimento, cumprindo-lhe
seguir o planejamento em função ordenadora, sempre em vista
da finalidade de tudo e de cada coisa criada. O Homem é um auxiliar
de Deus, um consorte com função executiva, feito para conviver
com Deus, sua Imagem, sucedendo-O e secundando-O. Veio de Deus, REFLETE
DEUS, devendo com Ele conviver e compartilhar, qual seja, vivendo
por, com e para Deus. Por ser Imagem de
Deus pode conhecê-lO, bem como as Suas leis.




Visivelmente Deus trata o homem desde a
sua criação com carinho todo especial, expresso pelo ato
de amoldá-lo Ele mesmo com as Suas Própria Mãos,
com arte e afeto especiais, como um oleiro molda amorosamente no barro
o objeto que cria:
"Então Iahweh
Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um
hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente"
(Gn
2,7)
.

O Homem recebe de Deus o "hálito
de vida e torna-se um ser vivente", trazendo em si a vida advinda do
íntimo de Deus
: o Homem tem Vida Divina em sua natureza de barro,
em sua matéria. O Homem é a Matéria Divinizada. Nasceu
diretamente de Deus, é Imagem de Deus, "reflete Deus",
tal como uma imagem reflete aquilo que representa, tal como o reflexo de
um espelho. O Homem, neste estágio da Criação, se
identifica a Deus pelo domínio sobre ela e reflete a Santidade de
Deus por sua integridade pessoal, por isso a "semelhança" e a "imagem".




Para o hagiógrafo, sem Deus o Homem
nada é. Não passa de um viajante que trafega sem direção,
sem caminho certo, um navegante que navega sem rumo. Sem Deus o Homem não
encontra o seu trajeto, não parte nem chega. Perde-se em sua realidade
existencial, sem finalidade, desligado de si mesmo por não se encontrar
em Deus, de onde veio, para os fins e desígnios que lhe foram traçados
por Ele. Ocupa um lugar privilegiado no quadro existencial da Criação
e sem Deus fica deslocado gravitacionalmente, não girando em torno
do eixo certo. Só em Deus pode se encontrar e se orientar, por ter
vindo diretamente dEle. Também, ao narrador não ficou encoberto
que na natureza criada existem leis ordenadoras das coisas e dos seres
criados. Porém, necessitam elas da ação inteligente
e catalisadora do Homem para melhor se ordenarem ao seu fim específico
e desdobrarem melhor as suas possibilidades ou potencialidades naturais.
A Obra da Criação traz em si mesma o seu próprio ordenamento
com a fixação de leis próprias, eficazes, imanentes.
Mas, centralizam-se no Homem, cujo desenvolvimento supõe a aptidão
de ocupar o seu lugar no quadro vivo. É que tudo tem uma função
peculiar, obedece determinações específicas e satisfaz
até mesmo um conjunto sistemático e dinâmico. Tudo
é segundo a finalidade material e orgânica, total e parcial,
de toda a construção impressa, ordenada e governada por Deus.
O Homem iria conduzir tudo a uma eficácia ideal, mediando entre
as coisas, as criaturas, e Deus. O Homem que é matéria e
ao mesmo tempo sopro de Deus seria o encontro de ambos. A expressão
divina da matéria, eis o Homem, "imagem e semelhança de Deus"
e, também, "barro", "pó". O Homem é a divinização
da matéria criada, a expressão máxima da Criação,
sem o quê, a Criação para nada serviria, sem nenhuma
finalidade. É no Homem que a própria natureza das coisas
se encontra consigo mesma e se realiza em plenitude material.




Criação que é uma
dádiva de Deus, um transbordar do amor em ato divino. Ato criador,
dom que se irradia em matizes infindos; uma dinâmica que faz acontecer,
desenvolver e ser a vida pululante e bela; uma realidade que se fundamenta
na intimidade de Deus e explode no Homem a "submeter e dominar" (Gn 1,28)
a terra e a todos os seres criados, a tudo ordenando conforme as leis que
lhe são próprias. Leis que descobre como emulsão das
próprias coisas e seres criados. É do Homem o universo todo,
assim Deus o destinou. Não apenas isso. Estabeleceu também
um modo particular de convívio, um relacionamento específico,
especial, chamando-o a uma vida mais íntima e partilhada familiarmente.

        Fonte: http://www.mundocatolico.com.br/

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