Continuando, além da passagem em Sanhedin 43a, Professor Geza Vermes cita
algumas outras que provavelmente aludem aos ensinos de Jesus,
indiretamente, bem como em curas efetuadas em seu nome por um díscipulo Jacó (Tiago) de Kfar Secaniah:





"Uma
máxima do Rabi Abbahu de Cesaréia, contemporâneo do século III de
Orígenes, refere-se quase com certeza a Jesus: - Se um homem lhe diz "Eu
sou Deus, ele esta mentindo. Eu sou o filho do Homem [um ser humanõ] ,
no final ele vai lamentar [pois como todo ser humano, vai morrer] . Eu
vou subir aos céus, terá, mas não vai cumprir (yTaan 65 b). A segunda
citação de Jesus aparece no Talmude Babilônico (b Abodah zara 16b-17a)
atribuídas a rabis ou Taanaim da passagem do primeiro ao segundo século.
O famoso R. Eliezer ben Hircano recorda que um cristão judeu, chamado
Jacó de Kfar Seranaya, interpretou "Não trarás a casa de (...) teu Deus o
salário de uma prostituta, no sentido de que tal dinheiro só seria
adequado à construção de uma latrina para o Sumo-Sacerdote. Quando
Eliezer confessou que era incapaz de compreender a explicação Jacó
apresentou-lhe uma exegese atribuida a Jesus que aparentemente vinculou
Miquéias 1:7 (já que elas [ todas as suas estátuas] foram ajuntadas com o
salário da prostituição, tornar-se-ão de novo salário de prostituição",
a Deuterônomio 23:19 para chegar a explicação: "De um lugar de
corrupção elas vieram, e ao lugar de corrupção elas retornarão". Eliezer
ficou impressionado com o talento interpretativo de Jesus, e, por causa
disso, foi acusado de heresia e excomungado pelos outros rabis."
[1]





Jacó
de Quefar Secania (ou Quefar Sama) foi um carismático curandeiro
judeu-cristão citado diversas vezes na literatura rabínica. As
personalidades os quais ligado sugere que esse Jacó atuou na virada do
século I para o século II DC. Jacó prometia realizar curas em nome de
Jesus de Nazaré e transmitia seus ensinamentos. Uma história o liga ao
Rabino Eleazar Ben Dama e seu tio Ismael ben Elisha. Jacó, em nome de
Jesus, quis curar Eleazar, que tinha sido picado por uma cobra venenosa.
O Rabi Ismael vetou a oferta. Eleazar, desejando ser curado, tentou
argumentar com seu tio, mas morreu antes de conseguir faze-lo
[2]





Além dessas prováveis referências a Jesus, existem algumas outras, mais incertas, citadas pelo Professor Craig Evans, Acadia University (Canadá) [3]:





"Rabi
Meir costumava ensinar 'Qual o significado (do verso), "Aquele que for
pendurado no madeiro é maldito de Deus" (Dt 21:23)? Havia dois irmaos
gêmeos que eram parecidos. Um reinava sobre o mundo todo e outro se
tornou um ladrão. Após um tempo, o que era bandido foi pego e então
crucificado em um madeiro. Todos que passavam e viam, diziam "parece que
o Rei foi crucificado"
(bTalmude, Sinédrio 9:7).





Evans
acredita, contra a opinião do célebre talmudista Morris Goldstein, que o
texto acima possivelmente alude a Jesus, a cena da crucificação e o
"Titulus Crucis" ("Jesus Nazareno Rei dos Judeus"). Evans cita Marcos
14:48 ("Disse-lhes Jesus: Saístes com espadas e varapaus para me
prender, como a um salteador?), o termo utilizado para ladrão ou
salteador nesta passagem do Talmude teria uma conotação de agitação
politica e revolucionária ou rebeldia, semelhante a encontrada na
descrição de Flavio Josefo "A Judéia estava infestada de salteadores ... qualquer um podia se proclamar Rei" (Antiquidades
17:285). Essa passagem, juntamente a referência de Jesus como próximo
ao governo (ou realeza) em Sinédrio 43a, sugere Evans, seriam uma
resposta sarcástica a alegada descendência davídica de Jesus [4]





Prof. Mahlon H Smith [5],
da Universidade Rutgers (New Jersey State University), apresenta uma
possível alusão a Jesus, encontrada no Talmude Babilônico, Tratado
Sinédrio, 106 b. Aqui um minim (ou herege, termo frequentemente usado
para designar os cristãos) pergunta ao Rabi Hanina Bar Hama (220-260 DC)
qual era a idade de Balaão quando ele foi morto. Hanina diz que os
registros não mencionavam essa informação, mas que, no entanto, ele
achava que ele teria morrido com 33 ou 34 anos de idade pois "homens de sangue e de traição não viverão metade dos seus dias"
(Salmos 55:23). O Minin responde que Hanina devia estar certo, pois no
relato sobre Balaão estava escrito que "Balaão, o coxo, tinha 33 anos de
idade quando foi morto por Finéias, o ladrão" (bTalmude, Sinédrio,
106b). O Professor Smith observa que Balaão,
o falso profeta citado no livro de Números que levou Israel a pecar,
seria um codinome utilizado por alguns rabis para se referir a Jesus (em
virtude da censura exercida pela Igreja). Da mesma forma 33 anos, seria
a idade de Jesus, somando os 30 anos que ele tinha quando iniciou seu
ministério (Lc 3:23), com as três páscoas mencionadas no evangelho de
João. Ainda segundo Smith, Finéias, o Ladrão, seria também o codinome
para Pôncio Pilatos, porque ele se apropriou dos fundos do Templo, incidente mencionado por Josefo (Antiguidades 18:60-62).





Um
pouco mais hesitante que Mahlon D Smith, Travis Herford acredita que o
codinome Balaão se aplicava a Jesus. Evans é cético quando a essa
identificação, assim como Bruce Chilton, Morris Goldstein e Joseph Klausner.
Chilton observa que dificilmente os rabinos dariam um nome tão
respeitável a alguém como Pôncio Pilatos [6] Entretanto, poderíamos
objetar que independente da identificação com Pilatos, o Talmude já usa o
termo Finéias, o Ladrão, que é no mínimo estranho se o objetivo era se
referir ao venerável sacerdote Finéias, neto de Arão.





Por fim, Jonh.P. Meier cita Klausner, e o julgamento deste quanto as tradições encontradas no Talmude:





Klausner
(Jesus of Nazareth, 46) faz o seguinte resumo das afirmações confiáveis
na tradição rabínica (1) Yeshu de Nazaré praticava a feitiçaria, istoé,
fazia milagres e desencaminhava Israel; (2) Ele zombou das palavras dos
sábios (istoé, dos mestres reverenciados de Israel). (3) Interpretava
as escrituras da mesma forma que os fariseus (4) Tinha cinco discípulos
(5) Dizia que não viera para tirar nada da Lei ou acrescentar algo (6)
Foi enforcado (ou seja, crucificado) como falso mestre. Como é facil de
ver temos aqui apenas uma imagem invertida e polêmica de várias
afirmações dos quatro evangelhos
[7]





Assim, o Talmude
conteria tradições que compartilhariam a perspectivas básicas das
atividades de Jesus, milagres, crítica a religião tradicional, o
compartilhamento das crenças básicas dos fariseus, como anjos e
ressureição dos mortos, seu relacionamento com Lei, ter discípulos e sua
morte violenta. Geza Vermes [8] observa que, provavelmente, os rabinos
reinterpretaram antigas tradições populares de Jesus como homem sábio e
realizador de milagres, correntes na Palestina, atribuindo esses feitos a
prática de feitiçaria. Assim, a imagem popular de Jesus retratada nos
evangelhos e reavaliada sob um prisma negativo.





"Quando essas
duas acusações são examinadas, elas se tornam uma representação
pejorativa do retrato Josefano de Jesus. Pois desencaminhador/falso
profeta e "feitiçeiro" são equivalentes deturpados de "homem sábio" e
"milagreiro"
[8]





O ponto levantado por Vermes, da
reinterpretação de antigas tradições sobre Jesus é relevante,
principalmente quando comparamos a parte reputada autêntica do polêmico
"Testimonium Flavianum", escrita por Flavio Josefo no século I. Josefo
diz que Jesus fazia feitos paradoxais ou incríveis, sendo a palavra
paradoxa ambigua, isto pode significar tanto maravilhoso quanto
controverso. O Talmude (e Celso) diz que Yeshu praticava feitiçaria (o
que torna implícito que praticava feitos "controversos", explicados pela
suposta prática de magia). Josefo diz que Jesus "era mestre de homens
que recebem a verdade com prazer. Ele atraiu muitos judeus e muitos
gentios". Os rabis dizem que Yeshu era uma ameaça, pois "levou Israel a
pecar" e "o fez apóstata", dando a entender uma popularidade razoável ,
aliciando e desencaminhando um grande número de díscipulos. Dizem também
que um processo foi iniciado, e um arauto saiu a covocar as testemunhas
de defesa. Josefo afirma que "os principais homens entre nós o
denunciaram". Por fim, no Talmude Jesus é executado e "levantado" (no
madeiro), talvez por ordem de "Fineias, o Ladrão" (codinome para Pôncio
Pilatos), enquanto Josefo diz que Pilatos o crucificou. É ainda possível
que haja uma recordação dos motivos que levaram a execução (algo que
Josefo não declara abertamente), de que Jesus foi acusado de ser um
insurgente que ameaçava a ordem estabelecida, "O Rei dos Judeus".





Graham Stanton também
compatilha da percepção de Geza Vermes ao observar que as acusações
imputadas a Jesus nessa passagem do Talmude - que ele praticou
feitiçaria e levou Israel a pecar - também são encontradas em Dialogo com Trifo, de Justino,
já mencionado.Para Stanton essa tradição rabínica é de dificil
interpretação, e mais complicado ainda é data-la com segurança. No
entanto, acrescenta que não fora a grande correspondência com a acusação
que circulava em circulos judaicos, na metade do século II, de que "Jesus era um mágico e enganador do povo"
(Dialogo com Trifo 69:7), seria tentador descartar essa passagem do
Talmude como resultado de polêmicas do terceiro século, ou mesmo
posteriores, entre judeus e cristãos.Entranto, a terminologia
semi-técnica encontrada no grego de Dialogo com Trifo é muito próxima do
hebreu das tradições rabínicas. Assim, conclui Stanton, essas tradições
teriam raízes profundas.[9]





Em resumo, quais são as informações que podemos obter do Talmude (se é que alguma informação pode ser obtida)?





Além de Johannes Maier, Edgard Leite é bastante cético em relação ao Talmude, "que não parece conter referências claras ao Jesus histórico" [10]





Por outro lado, Professor R. T. France,
de Oxford, conclui que, pelo menos a partir do início do segundo
século, Jesus era conhecido e abominado como alguém que realizava feitos
incríveis e que tinha conquistado tão grande número de seguidores que
foi devidamente executado como "aquele que levou Israel a pecar". Embora
depreciativo, pelo menos é, de uma maneira distorcida, evidência para o
impacto razoável dos milagres de Jesus e de seus ensinos. A conclusão
de que isto é inteiramente dependente da pregação cristã, e que "judeus
do segundo século adotaram de forma acrítica o pressuposto de que ele
realmente existiu " é certamente resultado do ceticismo dogmático. Tal
polêmica, frequentemente utilizando "fatos" completamente distintos do
que os cristãos acreditavam, muito dificilmente teria surgido em menos
de um século em torno de uma figura inexistente."
[11]





Também Geza Vermes, observa que histórias como a de Jacó de Kfar Secaniah "indicam que
um judeu cristão palestino no final do século I DC estava se dedicando,
como os apóstolos e seus seguidores imediatos nos Atos dos Apostolos, a
curar e pregar em nome de Jesus. Ainda, os textos rabínicos mostram que
o mundo oficial rejeitava essas práticas, mas que judeus e até mesmo
rabinos não necessariamente se opunham a elas na sociedade judaica
palestina do fim do século I"
[12]





Da mesma forma, Max Wilcox, Professor da Universidade de North Wales, avalia que o Talmude
e outros escritos da literatura rabínica embora mencionem Jesus de
forma muito esporádica, e devam ser utilizados pelo historiador de forma
muito cautelosa e criteriosa, acabam por endossar as afirmações
evangélicas de que Jesus curava e operava milagres, ainda que atribuindo
esses feitos a feitiçaria. Além disso, preservam uma memória de que ele
era um mestre, tinha discipulos, e de que pelo menos no início do
período rabínico nem todos os rabinos tinham se convencido totalmente de
que ele era um herege e enganador
. [13]





Assim, em vista
do exposto, podemos dizer que passagens sobre Jesus no Talmude devem
ser avaliadas com cautela, reconhecendo que mais provavelmente trazem um
"eco" de informações e tradições antigas, frequentemente de forma
âmbigua, não devendo ser tomadas ao "pé-da-letra". Analisando em
conjunto com o Dialogo com Trifo (69:7), e Celso, podemos dizer que o
Talmude reforça a percepção de alguns fatos da vida de Jesus,
encontrados nessas e em outras fontes, sua execução violenta em conflito
com as autoridades, sua fama de realizador de milagres e feitos
extraordinários (atribuidos por alguns rabinos a atos de feitiçaria), de
que ele conseguiu alcançar um grupo razoavel de discipulos ("pois levou
Israel a pecar e fez apóstata"), ainda que, por vezes, apareçam alguns
sinais de que a hostilidade não é completa, de que, como já disse Geza
Vermes, judeus e até mesmo rabinos não necessariamente se opunham a elas
na sociedade judaica palestina do fim do século I .





Desta Forma,
em vista das observações de Klausner, Vermes e Wilcox, acima,
concluimos que as tradições populares sobre Jesus na Palestina,
(provavelmente) teriam sido conservadas pelos rabinos por várias
gerações, e não eram necessariamente hostis. Com o tempo, a medida que
os caminhos de cristãos e judeus foram se afastando, essa memória foi
sendo reinterpretada de forma cada vez mais polêmica e hostil.





Referências bibliograficas:





[1] Geza Vermes, O Autêntico Evangelho de Jesus , fl.19, nota 33


[2] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 152-153


[3] Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 447


[4]Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449


[5] Mahlon H. Smith, Into His Own, Jesus and Christians in non Christians sources, 191



[6]
Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton &
Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449, nota 16


[7] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I fl. 115, nota 62


[8] Geza Vermes, Jesus in His Jewish Context fl. 98


[9] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 157


[10]
Edgard Leite, Yeshu Ha Notzri e sua viagem ao Egito: Uma Parábola
Talmudica in Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma
outra História, fl. 291.


[11] R T France The Evidence for Jesus, fl. 39


[12] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 154


[13]
Edwin Yamaguchi, Jesus Outside the New Testament: What is the Evidence,
in Wilkins & Moreland; Jesus Under Fire, fls. 214

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